quinta-feira, 3 de abril de 2014

Texto de Leila Katz, obstetra, sobre o caso Adelir - Torres - RS

Leila Katz direciona o texto a vários/as obstetras que teriam conduta similar à de Torres. Ou aos/às que, pelo menos estão concordando com esta barbárie que vai de encontro aos direitos reprodutivos de uma mulher.

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"Sou obstetra como você. Sou formada a 18 anos, tenho além da residência médica, mestrado e doutorado. Sou coordenadora de uma UTI obstétrica e do setor de parto humanizado em um hospital de referência. Sou preceptora da residência médica e faço assistência também. Não conto os partos que assisto, mas posso te garantir que foram muitos. Além disso sou pesquisadora e professora da pós-graduação e entre minhas linhas de pesquisa estão assistência ao parto e gestação de alto risco.

Estudei bastante sobre partos normal após cesárea, inclusive sou frequentemente chamada em congressos para falar sobre esse assunto e posso te garantir: o parto normal após duas cesáreas é SIM uma opção segura, tanto que o próprio ACOG, que como você deve saber é um órgão muito conservador, considera a prova de trabalho de parto como opção segura para mulheres esclarecidas. No último documento do ACOG se fala inclusive dos riscos das cesarianas de repetição. Posso inclusive te mandar esse e outros documentos para você se atualizar.

E assim, EU PARI APÓS DUAS CESÁREAS.


Leila e parte de sua família, no pós-parto imediato de seu VBA2C
Não, meu útero não rompeu como você disse que ocorreria. Eu tomei a decisão consciente de riscos e benefícios de minha escolha e fui respeitada pelas minhas colegas e pude viver essa maravilhosa experiência.

Então, vamos ponto a ponto...

A presença de qualquer cicatriz uterina aumenta o risco de rotura.

Esse aumento de risco é pequeno e em geral abaixo de 0,5%.

Existe na verdade uma controvérsia quando há mais de uma cesárea, enquanto que alguns estudos sugerem que existe aumento de risco em relação a uma cesárea apenas, outros não mostram esse aumento de risco. De toda forma, o risco global naqueles que sugerem o aumento de risco é para algo em torno de 1-1,5%.


Ou seja, nos dois casos o maior risco é de que não haverá rotura.


Outro ponto que precisa ser analisado são os outros riscos associados a repetição das cesáreas. Pois existe aumento de risco de lesão de órgãos, como bexiga e intestino, hemorragia, histerectomia e infecção nas mulheres que repetem a cesárea em relação aquelas que vão para um parto normal.

Em relação ao que você falou do respaldo jurídico é o seguinte: não existe nada sem risco. O que te da respaldo é o adequado esclarecimento da pessoa e explanação sobre os riscos. Se a pessoa escolhe esses riscos conscientemente, e assina concordando com isso, esse é seu respaldo.

E veja, amiga, tantas coisas que nos médicos obstetras fazemos aumentam chances de desfechos desfavoráveis e que são feitos sem nenhuma preocupação. Vamos a alguns exemplos: estudos mostram que o uso rotineiro de analgesia pode levar a Piores resultados perinatais mas rotineiramente os obstetras usam isso sem nenhuma preocupação desse aumento de risco.


Fazer uma cesárea aumenta em mais de dez vezes o risco de trombose, e apesar disso vejo cesáreas serem feitas pelos obstetras sem nem se preocupar com o aumento desse risco. O uso de ocitocina e a própria cesárea aumenta o risco de hemorragia puerperal ( evento por sinal bem mais comum que uma rotura uterina e que também mata) e muitos obstetras abusam dos dois procedimentos em parturientes que não precisam deles sem absolutamente se preocupar com o aumento do risco.


Então aqui na verdade o que está valendo para as pessoas que falam de se proteger de processos não é na verdade o aumento de risco, é o fato do medico não concordar e obrigar a pacientes fazer o procedimento. Num processo você se protege com as evidências e com um termo de consentimento livre e esclarecido assinado.

Claro que a pessoa precisa se sentir segura para realizar a assistência. Todos tem limites que devem ser respeitados. Inclusive o médico tem o direito a não prestar uma assistência com a qual não concorda. Mas aí a atitude correta dessa pessoa que não se sentia segura para atender essa gestante seria referenciar a moça para alguém que o fizesse e não denuncia-la covardemente.

Nos não podemos obrigar um paciente a realizar um procedimento que ele não deseje. Fere a autonomia do indivíduo. Já passei por alguns casos de pacientes gravemente doentes que se recusaram a se submeter aos tratamentos propostos e que me deixaram abalada, pela preocupação com a saúde delas. Entenda elas estavam gravemente doentes internadas inclusive em UTI. Mas como estavam conscientes e orientadas, compreendiam os riscos e assinaram juntos com o marido um documento dizendo que apesar de todo esclarecimento e conhecimento dos riscos, se recusavam a realizar o tratamento respeitamos a decisão delas.

E por fim, concordo com a relação horizontal e honesta, a qual por sinal, foi negada a essa moça não é mesmo?"




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Leila Katz concluiu Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em 1996, fez residência em Ginecologia e Obstetrícia no Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP), com término em 1999. Tem mestrado em Saúde Materno-Infantil pelo IMIP (2002) e doutorado em Tocoginecologia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP (2007). Atualmente é coordenadora da UTI obstétrica do IMIP e professora da pós-graduação (mestrado e doutorado) em Saúde Materno-Infantil do IMIP.

4 comentários:

  1. Dr leila é…. como descrever? excelente texto! eu estava travando uma briga com meus marido,cheguei até a gritar com ele pq ele defendeu a médica,por que ela fez "o certo"e blá blá …ainda estou vermelha de raiva,e esse texto diz tudoooo,tudo que as pessoas que acharam está atitude da médica "salvadora"deveriam ler…. excelente paty! adorei seu blog! um cheiro

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    1. oh,esqueci: acho dr leila maravilhoooosa! não tenho palavras para descreve-la!

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  2. Bom dia,

    Tentei mandar email para voce mas leilakatzdm@yahoo.com.br falhou.
    Qual seria o contato certo? Obrigada.

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  3. Olá Dra., eu gostaria de ter minha menina através do parno humanizado, mas se tá difícil encontrar quem faça o parto normal, o humanizado é mais difícil ainda... Como faço para entrar em contato com a Sra.?

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